quinta-feira, 28 de abril de 2011

A complexidade favorável de William Faulkner

Até meados dos anos 40, o escritor norte-americano William Faulkner não recebia muito prestígio do grande público. O principal motivo talvez fosse por fazer uso de uma narrativa complexa, profunda e repleta de emaranhados, características de uma prosa que atraía apenas parte da crítica refinada, embora isso não fizesse muita diferença na época. Seus romances, até mesmo os clássicos – O som e a fúria (1929), Enquanto agonizo (1930) e Luz de Agosto (1032) – eram considerados leituras “difíceis”.


Tentou a sorte em Hollywood em 1932, fracassando numa tentativa de firmar contrato com a MGM e em seguida com a Fox – seus projetos nunca foram filmados.

O que o escritor estadunidense não sabia é que em 1950 ganharia o Prêmio Nobel, sendo reconhecido como respeitável romancista nacional, regionalista e ainda “difícil” numa cultura modernista.

Os Estados Unidos sofria com a quebra de confiança no cenário ideológico do pós-guerra. Os mais puritanos acreditavam que a arte, principalmente a literária, estava apenas sendo preenchida por enganos e decepções. Daí surgiu o realismo norte-americano, em busca de aproximar a arte do movimento operário, do anti-fascismo e do comunismo, claro que antes das escabrosas descobertas de Stalin.

O que se buscava, na realidade, era representar de forma clara a crise econômica e política, através das linhas culturais disponíveis.

Artistas de 1929, avistaram a possibilidade de criar um novo tipo de ficção histórica, que traduzisse essa nova sociedade.

A queda da Bolsa trouxe de volta vários artistas americanos “exilados” na Europa, enquanto assuntos “americanos” começaram a ser discutidos como uma forma de recuperar a herança cultural local. Nesse desenrolar de ideias é que Faulkner encontra seu espaço, para agradar e confundir a história.

Até hoje estuda-se Faulkner considerando sua complexidade - a maneira de manipular o ponto de vista e sua estruturação temporal não-linear do enredo. O escritor não costumava seguir um enredo propriamente dito. O que ele fazia era colocar uma série de narradores contando partes de episódios, como acontece em O som e a fúria (1929).

Suas obras compõem um quebra-cabeça. Faz uso de uma descentralização narrativa que leva o leitor a descobrir aos poucos o que está acontecendo, isso quando descobre.

Até o século anterior, o romance europeu era caracterizado por uma narrativa especialmente dramática, centralizando um herói que cumpre suas ações individuais, vencendo as dificuldades da vida. Faulkner chega para quebrar esse heroísmo da burguesia norte-americana, e faz isso em suas obras.

O romance, que era a forma artística mais popular entre os burgueses ascendentes, torna-se um meio representativo de discussão do cotidiano. Se o herói era o centro da narrativa com suas questões individuais, começa a surgir preocupações sociais, políticas e econômicas que confiam à toda a burguesia a capacidade de resolver essas mazelas.

É aí que o resto da população se dá conta de que os interesses burgueses (obviamente) não são universais, e essa parcela da sociedade muda sua perspectiva de herói.

As duas Guerras Mundiais geram uma crise que prepara, de certa forma, a renovação das artes, com a chegada do modernismo. O desafio é introduzir novas perspectivas sobre o cenário social do momento.

Nos Estados Unidos, o progresso começava a se fazer presente. A maior nação mundial realizaria enfim, seus ideais democráticos de liberdade. A cultura de massa cria a centralidade da nação transformadora. Parecia não haver limites no campo criativo, com exceção do sul norte-americano, prejudicado pela Guerra Civil. Era complicado adotar uma modernização numa sociedade presa às tradições sulistas. Toda a estrutura social ainda era basicamente rural. Sendo assim, os ideais da industrialização, essenciais para a modernização, perdiam um pouco o sentido.

Artistas tanto do sul, quanto do norte (que sofria com a crise de 1929), travavam uma luta para criar uma alternativa para o capitalismo que ganhava cada vez mais espaço. A ideia era despertar um público preparado para apreciar uma arte política e reacionária. E assim surgiram obras com esse viés.

A tão idealizada perspectiva sulina começava a surgir e a se transformar, e esse se tornou o grande objetivo literário de Faulkner, em busca de uma nova linguagem que traduzisse essa migração do tradicional épico agrário, para a industrialização moderna, realista e urbana. A visão individual dava lugar à visão universal. Agora entendia-se a complexidade dos seus enredos. Nada mais era que uma representação da complexidade vivida em sociedade. Se suas narrativas eram consideradas “difíceis”, assim o era a vida capitalista.

A vida social de Faulkner estava, assim por dizer, relacionada ao papel do negro na sociedade moderna. Estava em alta a disputa entre brancos e negros. Até então, nenhum romancista havia se atrevido a tocar no assunto. E assim o fez Faulkner, mesmo que por um olhar racista, mesmo assim não se absteve do caso.

Na obra Enquanto Agonizo é possível observar alguns aspectos importantes: os personagens brancos são os que ganham voz numa narrativa fragmentada. Essa fragmentação revela a ação do homem em situações absurdas. Mais uma vez é importante retomar a relevância da narrativa fragmentada de Faulkner. Essa característica coloca o leitor como principal autor, pois ele é quem comanda o rumo das estórias, ao passo que desvenda os mistérios da complexidade narrada. Os modernistas valorizavam as diferenças, enquanto Faulkner prevalecia na perspectiva individual, do isolamento insuportável, que asfixia.

Em muitos de seus contos, porém, surge uma preocupação de dar voz aos personagens negros. É com Faulkner que um negro assume o papel central de um romance na literatura norte-americana. Esse negro é colocado como um primitivo, imune à ideologia modernista crescente. Fato que representa como o negro era posto em sociedade, sem direitos e valores que lhe dêem acesso ao novo tempo que avançava.

Faulkner é um romancista que aproxima a identidade histórica norte-americana do leitor. Em suas criações literárias, a todo momento encontra-se referências à sociedade estadunidense.

Se fossemos estabelecer um panorama teríamos a modernização forçada, a vida social fragmentada representada pela fragmentação da linguagem, o enclausuramento da identidade individual, a falta de circunstâncias que possibilite qualquer tipo de ação coletiva, e assim por diante. A literatura de Faulkner faz mais do que somente criar uma linha complexa de raciocínio. Ela amplia, principalmente, a compreensão de mundo.

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