quarta-feira, 25 de maio de 2011

Um amor exclusivo


... na vida, a qualquer momento, sempre há exatamente três possibilidades à disposição: pode-se agir e fazer algo, deixar as coisas como estão ou cometer suicídio.”

E, repentinamente, também consigo entender o tipo de amor da minha avó, tão exclusivo, tão carente, tão grande e, no fim das contas, cheio de condições: prove-me que eu também posso estar enganada; prove-me que mesmo assim vale a pena gostar de mim, aí eu sempre estarei do seu lado, eu seguirei você até em caso de morte.

E, repentinamente, também consigo imaginar o porquê de ela não querer viver sem ele, porque ela decidiu morrer junto com ele.”


Sobre a tradução...

Meu último livro de cabeceira foi Um amor exclusivo (Eine exklusive Liebe), romance de estreia da autora Johanna Adorján, lançado no Brasil em março deste ano.

Meus comentários começam logo em Breves Notas de Tradução, onde o tradutor responsável pela obra, Marco Aurelio Schaumloeffel, relata sua experiência ao traduzir uma obra que como ele mesmo diz “exigiu cuidado e pesquisa de aspectos históricos e peculiaridades linguísticas”. É a primeira vez que vejo uma nota de tradução no início de um livro. Achei interessantíssimo saber como foi para o tradutor ter em mãos a responsabilidade de traduzir para nossa língua uma nova cultura e como é o envolvimento desse profissional com seu trabalho. Parece que me fez entender um pouco mais a história, ou talvez observar com mais atenção as tais peculiaridades, ou quem sabe, isso seja apenas curiosidade de uma estudante de Letras (transcrevo seu comentário em outro link nesse blog).

Sobre a história...

O livro conta a história de Vera, 71 anos, gozava de boa saúde; e István, 82 anos, sofria de uma doença terminal. Húngaros residentes na Dinamarca, estavam casados há quase meio século e são incrivelmente bonitos e elegantes. Ambos suportaram os horrores do Holocausto e do Regime Comunista, mas não puderam suportar a ideia de que a morte dele iria separá-los. Assim, no dia 13 de outubro de 1991, os dois cometem suicídio: morrem juntos na sua cama, de mãos dadas.

O romance começa da forma mais objetiva possível: “No dia 13 de outubro de 1991, os meus avós cometeram suicídio”. Johanna Adorján, autora do livro, é neta de Vera e István. Ela diz, em entrevista à revista norte-americana Smith (traduzida e publicada nesse blog), que a motivação para escrever sobre a morte de seus avós surgiu através do desejo de poder imaginar, da maneira mais precisa, como teria sido o último dia de suas vidas. Ela tentou a cada momento se colocar no lugar deles, ter as mesmas sensações que tiveram, porque aquilo que estava escrevendo não era ficção. Apesar de grande parte da história ter sido criada por sua imaginação, esta tinha seu embasamento em fatos. E assim, a cada página, Johanna tenta explicar onde está na história.

Sobre o livro...

Apesar de se sentir triste ao final do livro, é notável que a história não tem que parecer triste. Isso foi bom para eles. Eles terminaram a vida como queriam e quando queriam.

Mas a história não levanta apenas questões de amor ou suicídio. Eu mesma me peguei pensando em como teria sido a vida das minhas avós, já que não conheci meus avôs. E é de fato um mistério. Nunca sabemos tudo. Johanna diz em um trecho: “Eu não acredito que a minha avó tivesse consciência do impacto de suas atitudes. Eu acredito que ela se achava uma mulher elegante, interessante, decente e simpática, que gostava de cozinhar e assar coisas no forno, que gostava de ir à opera. Mas, afinal de contas, o que se sabe de fato sobre a avó da gente?”.

Johanna também faz referências sobre o idioma húngaro: “Na volta, quando caminho para meu hotel, escuto as pessoas, a forma como elas todas todas falam húngaro nas ruas, e mais uma vez penso quanto gosto da língua, mesmo que não entenda uma palavra sequer. O seu som, o ritmo claudicante que se dá pela entonação da primeira sílaba das palavras, as várias vogais fechadas, tudo isso tem efeito tranquilizador e de confiança sobre mim, como se fosse uma canção de ninar da minha infância”.

Em certo momento, como vocês poderão conferir na entrevista, Johanna começa a se identificar com sua avó: “Como se diz em inglês: 'It does ring a bell'. Isso acende uma luz em mim, me traz algo à lembrança, me parece familiar. O sentimento mais profundo que eu conheço é o de não pertencimento. É o sentimento com o qual cresci. Não é um sentimento muito legal, na verdade eu nem sei de onde ele vem. Já desde as primeiras coisas que ainda consigo lembrar como criança, eu tenho a sensação de a minha presença estar atrapalhando. Como se todos estivessem mais felizes sem mim. […] Ninguém me ama, não é possível me amar. Esta é a minha mais profunda convicção e, ao mesmo tempo, o meu maior medo. Se eu a seguir até o seu ponto mais profundo, ela me leva ao sentimento que me é mais familiar do que qualquer outro: eu estou completamente sozinha.”

Sobre Budapeste e o holocausto...

Um amor exclusivo desperta no leitor o desejo de viajar pelas calçadas da história de Budapeste, assim como fez Chico Buarque em seu romance que leva o nome da cidade. Budapeste é a capital húngara, cidade de muitas origens e, portanto, cheia de diversidades, presentes nos costumes e tradições culturais.

Até 1873, Buda e Peste eram duas cidades autônomas. Suas origens datam do século I, quando os romanos estabeleceram fortificações na região para conter o avanço dos bárbaros que ameaçavam Roma.

No século XV, Buda já era um centro de renome na Europa, porém os anos seguintes foram marcados por guerras e opressão.

De 1526 até a queda do muro de Berlim a Hungria passou por inúmeras invasões: esteve em poder dos Turcos, fez parte do império Austro-Húngaro, foi invadida por Hitler e depois controlada por Moscou. Com uma história tão sofrida, os húngaros são orgulhosos de seu país e conseguiram manter uma identidade própria.

Quando relata parte do que supostamente seus avós teriam sofrido com o Holocausto, Johanna cita um provérbio húngaro: “Não interessa quanto você possui, sempre é possível ter mais – não interessa quão bom algo é, sempre poderia ser melhor”. E assim a autora deixa o leitor a par da realidade do holocausto para os húngaros: “É... assim as coisas também podem ter acontecido. O holocausto está na ordem do dia, os judeus são transportados às centenas e aos milhares em trens para Auschwitz e mortos em câmaras de gás – e outros conhecem a pessoa certa que lhes providencia passaportes falsos e encontram tempo para brigar com os pais sobre coisas bem normais do cotidiano”.

Como Budapeste entendia suas crises políticas? O pai de Johanna diz:

- Havia uma piada naquela época: dois húngaros se encontram. Um deles diz: - Cara, eu estou indo para o instituto da visão e da audição. - O outro diz: - Aha, e o que é esse instituto? - Em seguida, o primeiro diz: - Pois é, eu espero que eles possam me ajudar lá, pois eu não vejo o que eu escuto. - Era disso que as pessoas riam na Budapeste daquela época”.

Considerações finais...

Paro por aqui. Não quero revelar tudo sobre Um amor exclusivo, nem tudo que penso que sei sobre Johanna Adorján. Apenas deixo registrado alguns aspectos que se mostraram o tempo todo relevantes para mim: ainda existem amores exclusivos, em algum lugar do mundo. Nossos avós são pérolas que muitas vezes deixamos para apreciar apenas em fotografias. Budapeste deveria estar no circuito de turismo da Europa, assim como está Londres, Paris, Madri e etc. É muito bom terminar um livro com a sensação de que aprendi algo novo. Obrigada Johanna!