segunda-feira, 9 de maio de 2011

REPÓRTER MANTÉM HOMEM SOTERRADO POR 6 DIAS - A mídia e seu discurso

A Montanha dos Sete Abutres” (Ace in the Hole), dirigido por Billy Wilder, apresenta reflexões atuais para um filme que foi feito no início da década de 1950. Além de ser essencial para quem se aventura na área do jornalismo, o enredo é capaz de levantar uma série de questões sobre até que ponto a mídia determina o que o indivíduo deve saber em sociedade.

A história é relativamente simples. O jornalista Charlie Tatum, desempregado nos grandes centros por sua conduta questionável, busca refúgio em pequeno jornal em Albuquerque, no estado do Novo México. Após longo e tedioso ano ele finalmente encontra uma matéria que pode levá-lo de volta ao grande circuito: um homem preso numa antiga montanha indígena, justamente na Montanha dos Sete Abutres que dá o título do filme em português.

Interessante e digno de destaque é a mensagem que o jornalista encontra na sala de redação em sua primeira visita ao jornal. Um quadro bordado com os dizeres “Diga a verdade”. A partir da análise do filme, podemos desenvolver uma reflexão a respeito da manipulação da mídia sobre fatos, antes de eles virem a público.

Em discussão com seu editor chefe, Tatum afirma: “Se não houver notícias vou à rua e mordo um cão”. As notícias que são veiculadas pela mídia geram lucro, através de tiragens de jornais, de audiência de programas de televisão ou rádio. Como tudo que possui fins lucrativos, a forma como a notícia será passada é altamente elaborada, no sentido de ser publicada de forma a atrair o público e, conseqüentemente, gerar retorno financeiro. Tendo isso em vista, seria ingenuidade acreditar que os fatos que chegam a nós ocorreram exatamente da maneira como foram divulgados. Os repórteres não se limitam a retratar a realidade, mas a recriam, com o intuito de deixá-la mais atraente aos olhos do público. É exatamente assim que o jornalista Tatum constrói a sua história.

O objetivo do trabalho era cobrir uma caça às serpentes, o que seria o grande furo da semana, segundo o editor chefe. Tatum então começa a imaginar que a grande notícia seria se as serpentes fossem soltas em Albuquerque. Chegando no local, o que Tatum e seu assistente encontram é o tal desmoronamento, com um homem da comunidade soterrado a 6 horas. Surge a grande notícia.

A reportagem começa a ganhar forma no momento em que o jornalista induz a vítima a acreditar em sua história, e conseqüentemente colaborar para ela. Tatum foi o único homem a ter contato com Leo Minosa, que estava soterrado, e a fazê-lo acreditar que era seu amigo. O que Leo não sabia era que Tatum precisava mantê-lo soterrado por 6 dias, tempo suficiente para promover seu nome em todos os jornais dos grandes Estados, principalmente entre aqueles que o ignoraram.

Seu discurso apelativo começa a ser divulgado. Como dissemos, o discurso utilizado pela mídia é escolhido a fim de construir uma realidade, apelar para as emoções do público e determinar o que o indivíduo deve saber. O foco do discurso jornalístico não está só no fazer saber, mas principalmente no fazer sentir. Desde que saiba manejar as palavras, o jornalista tem o poder de construir uma realidade através de seus textos.

Com base na promessa que Leo Minosa possa ser resgatado a qualquer momento, Tatum conquista uma aliada absolutamente relevante para seus negócios: a curiosidade humana. Milhões de pessoas chegam ao local para acompanhar o caso fazendo de Charles Tatum o grande herói responsável por resgatar Minosa com vida, pois é ele quem entra na montanha, é ele quem conta sua história.

A história toma um rumo inesperado quando a morte chega antes de um bom contrato com o New York Times. Leo Minosa não resiste a tanto tempo soterrado e morre no sexto dia. Tatum percebe que a morte de Leo não é boa para suas intenções: “Quando tem uma grande história de interesse para os homens, tens de lhe dar um grande final que também interesse aos homens. Quando leva as pessoas a ficarem empolgadas nunca as faça passar por idiotas. Não quero entregar-lhes um homem morto”.

Ao longo do filme, o personagem traz em suas falas algum tipo de ideologia, como quando Tatum discute durante uma viagem com o novato assistente o que é jornalismo e o que é notícia. O protagonista diz que os anos de faculdade do colega foram inúteis. Muito mais útil teria sido a experiência como vendedor de jornais pelas esquinas de Nova Iorque. Desta experiência ele aprenderia o que é notícia – entendida como sendo aquilo que interessa ao público, que vende jornal. O contato direto com a prática cotidiana.

Em outro momento cria uma metáfora ao dizer que é um bom mentiroso, pois já mentiu para homens que usam cinto e a homens que usam suspensórios, mas não seria estúpido a ponto de mentir para um que usasse cinto e suspensório, ou seja, para alguém que estivesse preparado, alguém que verificasse todos os seus textos e fosse esperto o bastante para distinguir seu caráter. No fim do filme, quando o editor chefe e diretor do jornal cobra algum tipo de explicação por aquele circo às custas de uma vida, Tatum retoma a metáfora dizendo: “Cintos e suspensórios não são mais usados. Estamos no século XX”.

O que nos anos 50 era raro nas redações, hoje é regra para qualquer jornal em busca de lucros. O que os jornais produzem são mercadorias e não informação. E se para isso for preciso omitir a verdade e criar uma realidade que venda, assim será feito, sem pensar nas consequências sociais desse ato.

Por Angie Chalas e Larissa Castro

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