quarta-feira, 25 de maio de 2011

Breves Notas de Tradução - Entrevista com Johanna Adorján

Breves Notas de Tradução

Caminhar a encantadora trilha de Eine exklusive Liebe (Um amor exclusivo) exigiu cuidado e pesquisa de aspectos históricos e peculiaridades linguísticas usados em sua elaboração. A técnica não linear da narrativa de contar o final para, logo após, começar a contar paulatinamente o último dia da vida dos seus avós, entremeando as próprias descobertas da autora e os fatos históricos e do cotidiano vividos por eles, também demanda atenção para a 1reconcatenação de ideias e fatos quando o conteúdo é levado, neste caso, do alemão para o português. A opção por fazer uma tradução literal do título revela-se feliz, já que preserva os principais aspectos cobertos em seu significado original: o de um 'amor exclusivo' no sentido de algo único, mas também o de um amor egoísta, que 'exclui' o mundo onde está inserido. Um amor exclusivo e de exclusão, o amor obsessivo de duas pessoas.

A obra repassa, de modo pessoal, fatos históricos, o drama vivido pelos europeus, mas, especialmente, o dos judeus do leste europeu comunista, que sofreram duplamente e foram forçados a fugir para a Europa ocidental. A absoluta coincidência de um roteiro pessoal de viagem ter incluído, já depois da leitura da obra, mas antes de traduzi-la o eixo Paris-Copenhague-Munique-Budapeste, permitiu, por exemplo, ter imagens concretas e um pouco da atmosfera de lugares como o Oktogon e o prédio onde os Adorján moravam em Budapeste. Tudo isso facilitou o trabalho de trazer o romance de Johanna Adorján do alemão para o português.

Ao longo do texto original há várias passagens em dinamarquês e em húngaro. Algumas delas vêm acompanhadas da respectiva tradução em alemão, outras com uma transcrição aproximada da autora, deixando entender seu conteúdo. Há, porém, passagens que só são apresentadas em húngaro ou em dinamarquês, sem um equivalente em alemão. O dinamarquês pode ser razoavelmente bem entendido por um falante alemão, dadas as relativas semelhanças. Daí, provavelmente, a opção da autora em não traduzir algumas passagens. Estas semelhanças, porém, não existem em português. Optei por traduzir todas as passagens para o português, independentemente de terem sido traduzidas para o alemão no original ou não, preservando, evidentemente, sempre que também constasse no original, o texto em dinamarquês ou em húngaro.”

1Concatenação: Encadeamento lógico das ideias.

Entrevista com Johanna Adorján

Eu vejo beleza nisso tudo. É uma história de amor e de uma forma auto-determinada de vida, e sendo também inseparáveis na morte. É claro que é triste para as pessoas que ficaram, para os filhos e os netos. Mas houve uma forma muito forte de dizer 'Nós não vamos nos separar'. Eles morreram exatamente como queriam.” Johanna Adorján

Um amor exclusivo é muito parecido com um livro jornalístico. Você diria que é um livro de memórias? Muito do que está escrito tem a ver com a sua aproximação do que teria sido o último dia dos seus avós, seguido de relatos e entrevistas de outras pessoas.

Na edição original alemã, eles não classificaram como livro de memórias. Eu também nunca pensei, enquanto escrevia, como ele deveria ser classificado. Eu sabia que era não-ficção. Tenho a impressão de que na América dão maior importância para isso, se um livro é ficção, não-ficção, biografia. Na Alemanha, eles só tinham que classificá-lo na lista de mais vendidos. Mas tenho a convicção de que o que eu escrevi é não-ficção. Mesmo que um terço do livro tenha sido imaginado.

Nos Estados Unidos é bastante relevante o quão verdadeiro é um livro de memórias.

Tentei ser a mais verdadeira possível. Eu sou uma jornalista, mas ao descrever o último dia de vida dos meus avós, tive que usar minha imaginação porque ninguém esteve com eles. Então usei fatos, mas também há coisas que eu inventei completamente. Minha avó não preparou um bolo naquele dia, mas eu gostaria que tivesse um bolo lá. É a minha verdade sobre esse dia.

É interessante que você reconheça que a sua versão da história não possa ser cem por cento verídica. Você escreveu que você e sua tia “sabiam” que seu avô tinha aprendido a dormir em pé no campo de concentração, mas logo você afirma “O que quer que signifique 'sabemos'”. Depois você cita que seu avô esteve num campo de concentração diferente do que ele próprio havia dito, ou que você pensou que ele estivesse. Parece que você está sutilmente reconhecendo que a veracidade dos fatos merece uma discussão.

Eu arrisco dizer que se outra pessoa da minha família tivesse escrito essa história, seria uma história completamente diferente. É a minha opinião sobre isso e sobre eles.

No final do livro você traz o relatório da polícia sobre o suicídio dos seus avós. É uma peça interessante, pois o relato é bastante, digamos, insensível, e contrasta com sua descrição imaginária dos fatos, onde sua avó está assando um bolo e seu avô está tocando Chopin. Você faz isso de forma muito eficaz. Você teve acesso ao relatório da polícia antes de começar a escrever o livro?

Não. É estranho porque eu sempre imaginei que se eu tivesse acesso a isso, seria interessante colocá-lo no final, porque isso provaria que o que aconteceu foi verdade. Eu poderia ser mais sentimental ou falsa, mas fui objetiva. Mas consegui isso no final das minhas pesquisas. Comecei as pesquisas, fiz algumas anotações e comecei a escrever. Foi importante ter esse documento porque há detalhes que eu não teria conseguido relatar. Como por exemplo, que a casa estava toda iluminada no dia que eles cometeram suicídio. Todas as luzes estavam acesas. Então pude descrever minha avó iluminando toda a casa e colocando flores nos vasos. Todos esses detalhes me ajudaram a recriar seu último dia. Espero não ter escrito nada muito sentimental. Mas esse relatório é quase cruel na sua ausência de sentimentalismo. Menciona as manchas de morte. Eu achei isso muito brutal, mas eles estão mortos, então faz sentido.

Soa como um relatório clínico.

Eu gosto de relatórios policiais. Estou impressionada com a maneira que, em tão poucas palavras, eles conseguem realmente descrever tudo, enquanto eu uso tantas frases para dizer a mesma coisa.

Você retrata seus avós como não sendo muito sentimentais naquele dia.

Sim, é como eu imagino. Quem sabe? Essa é a maneira que eu posso lidar com isso. Quem sabe se, na verdade eles tiveram um dia diferente e que foi muito mais difícil do que o livro mostra. Mas essa foi a forma que eu consegui imaginá-los, a maneira que eu pude ouvir suas vozes, os seus diálogos. Eu ouvi uma história muito triste e esta se mostra um pouco mais feliz para mim. O irmão do meu amigo é médico. Ele foi chamado para um caso semelhante. O casal havia se suicidado, mas o marido sobreviveu. E os médicos fazem um juramento de que seu grande desafio e obrigação é salvar vidas, então eles tinham que salvá-lo. E eles sabiam que o marido desejava morrer. Esse amigo conta que o pior trabalho da sua vida foi reviver o marido. A parte feliz é que eles cumpriram com sua obrigação.

Em seu livro, você escreve brevemente sobre você. Você examina as semelhanças entre você e sua avó, que você descobre conversando com pessoas que a conheceram. Você pensa na maneira em que você pode ser amável ou amada, da forma como sua avó via a si mesma. Você explora sua identidade judaica e o que ela significa pra você. Cita sua vida amorosa através da experiência com o site de namoro Jdate. Foi um pouco de auto-exploração a motivação para escrever sobre isso?

A única motivação foi que eu queria ser capaz de imaginar, da maneira mais precisa possível, o último dia de suas vidas. Eu me coloquei nesse dia, tive a sensação que tiveram, porque aquele dia realmente não foi uma ficção. Foi uma não-ficção com imaginação com base nos fatos. Eu senti que tinha que explicar onde eu estava na história. Então, como se mostrou necessário, eu só me coloquei lá dentro.

Dessa forma, você aparece como um personagem âncora da história.

Sim. No que se refere ao presente. O restante é história recente ou mais para o passado. Portanto, há camadas de tempo: o presente, o último dia de suas vidas em 1991, e, então, muito mais para trás na história deles.

Quanto tempo você levou para escrevê-lo?

Foram 5 meses de investigação e 5 meses para escrevê-lo. Mas eu também tinha meu trabalho no jornal. Então eu só fazia isso na parte da manhã. Fiquei satisfeita de tê-lo limitado assim porque eu estava escrevendo sobre alguns temas muito pesados como suicídio, a emigração do Holocausto, a guerra da Coréia. Fiquei feliz de trabalhar com ele por um curto tempo. Levei muitos anos após sua morte para perceber que a história poderia virar um livro. Eu acho que a história cresceu dentro de mim e eu quis escrevê-la. O trabalho em si foi rápido. Não foi difícil encontrar a estrutura.

Alguém da sua família foi contra à sua ideia do livro ou eles se sensibilizaram com a iniciativa?

Se sensibilizaram. Acima de tudo meu pai e minha tia. Meu pai me ajudou muito. Ele me acompanhou ao campo de concentração, foi comigo em algumas entrevistas, ficou lá e ouviu tudo. Então de certa forma foi interessante para ele saber se eu poderia ser capaz de preencher algumas lacunas.

Mas eles não se opuseram?

Não. Eu não teria escrito se eles tivessem sido contra. Eu perguntei. Meu pai foi o primeiro leitor e minha tia a segunda.

Qual foi a parte mais difícil de escrever o livro?

Achei mais difícil ler o livro, Final Exit, que eles usaram, um manual sobre como cometer suicídio. Minha tia me disse: “Você conhece esse livro?”, então eu comprei. Esse livro foi realmente assustador. Depois de abri-lo encontrei descrito um método de gaseificação com saco plástico. Então eu pensei: “Meu avô se sufocaria com um saco plástico depois de ter sobrevivido a um campo de concentração?”. Então passei a olhá-lo apenas como um livro. Ele não força você a se matar. Ele só é útil para as pessoas que resolveram fazê-lo por suas razões.

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