quarta-feira, 18 de março de 2009

Mentir e Iludir - Análise (parte II)

Pelo conhecimento que se tem da vida de Noel Rosa, sabe-se que a composição "Pra que mentir?" foi motivada por uma de suas relações amorosas, talvez a mais marcante de toda a sua vida. Ceci, que Noel conheceu no cabaré Apollo, Rio de Janeiro, numa festa de São João, e de quem nunca mais se desligou, é a fonte de inspiração dessa canção de parceria com Vadico.
Na ocasião em que Noel compôs a música, Ceci dividia seu coração com ele e Mário Lago, o famoso compositor de "Saudades da Amélia". Apesar de Ceci não confessar para Noel o novo romance, ele já sabia de tudo, pois a conhecia pelo olhar, pelo tom de voz e lhe dizia com frequência: "Você ainda não aprendeu a mentir...".


Todo texto, de certa forma, dialoga com a sociedade, expondo suas crenças e valores assumidos como verdadeiros dentro da cultura em que o texto foi produzido.
Nos versos de Noel, a personagem masculina declara seu amor pela mulher, apesar de reconhecer-se traído. Ao mesmo tempo, a julga incapaz de mentir e de enganá-lo, porque ela não tem a comum malícia de toda mulher.
Na música de Caetano Veloso é uma voz feminina que dialoga com a canção de Noel. A personagem admite que, no território da relação amorosa, a mentira faz parte do comportamento feminino. Mas não exclui o homem desse jogo, ainda que ele o faça de forma dissimulada.

A mentira faz parte da relação. Seja intencional ou não, ela está presente e convive com ambas as partes, dissimulando, enganando, iludindo. A infidelidade é parte da realidade, então resta-nos aceitá-la. Se o homem perdoa uma traição, como fez Noel com sua Ceci, ele é considerado fraco. Essa tolerância por um representante da mentalidade masculina típica do nosso meio cultural é inadmissível, pois esse comportamento seria uma quebra do equilíbrio machista que o homem tanto preserva. Noel Rosa então, teve a humildade de assumir o seu amor mesmo com a traição da sua mulher. Ou porque, como já disse, a sociedade considera a mentira como parte do jogo amoroso, ou porque em nome do amor ele esteve disposto a perdoar para salvar o relacionamento.

Noel e Caetano montam uma imagem antagônica da mulher. A mulher de Noel não tem malícia, não tem maldade, finge um amor que não existe para não fazer o outro sofrer, mente talvez sem saber que está mentindo. A mulher de Caetano vira o jogo, trai tanto quanto o homem, aliás, trai justamente porque o homem também o faz. O homem mente sem necessidade de ocultar a infidelidade, sendo assim, a mulher não lhe deve satisafações. Nesse retrato da relação amorosa entre homem e mulher sabe-se que:
Um fala de iludir. O outro fala de mentir. Mas um mente com a ilusão. O outro ilude com a verdade.

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